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Pintura ao ar livre 01 (Paulo Jorge)

Pintura ao ar livre é um desafio para a maioria dos artistas, a começar pela luz natural que atua sobre as cores de modo diferente do que ocorre no estúdio.

Prefácio

Muitos artistas não pintam ao ar livre, pois imaginam que essa tarefa é muito complexa para ser realizada. Preferem produzir suas obras somente em estúdio, onde têm mais domínio do processo. Pintar em ambientes abertos é realmente mais difícil, mas quem consegue produzir boas obras no ateliê, também o fará ao ar livre, se observar certas regras. Para nos servir de guia, nos valemos de conselhos preciosos de dois grandes artistas plásticos, mais experientes, com longo trabalho nesse campo: o primeiro, Hangel Montero, espanhol, autor da obra “La Obtencion del Color: Un secreto al descubierto” e responsável por um canal no Youtube com 124 mil inscritos até a edição desse artigo. O segundo, professor João Barcelos, carioca, autor de vários livros, dentre os quais destacamos a obra “Pintura – Além do pincel“. Algumas considerações são de nossa autoria, baseadas em experiência pessoal.

Que formato é mais recomendado?

Recomenda Hangel Montero em seu vídeo no Youtube, intitulado “Consejos para pintar al aire libre“:

– Formato grande, problema grande; formato pequeno, problema pequeno.

Desaconselha o uso de telas muito grandes para pinturas ao ar livre. Reforça seu ponto de vista ponderando sobre o tempo curto para concluir a obra, pois tais eventos não costumam exceder quatro horas. Lista ainda mais fatores que podem atrasar o trabalho, como o clima, velocidade do vento e outros. As condições vão se alterando com o passar do tempo, principalmente a iluminação, o que obriga o artista a ser rápido para registrar luz e sombra.
Nas oportunidades que tive de pintar ao ar livre, pude comprovar que telas grandes realmente não são adequadas para isso, já que são mais vulneráveis ao vento e se comportam como as velas de uma embarcação – uma rajada mais forte pode deslocar o cavalete e lastros atrelados a ele. Portanto, é mais prudente usar formatos menores.

O que pintar?

Quando as opções são muitas, a dificuldade de escolha é maior. Se estamos em campo aberto, há cenários interessantes em toda nossa volta – temos que selecionar o mais conveniente. Em vez de tentarmos abarcar uma grande área, devemos escolher algo pequeno que desperte interesse geral. Para uma cena ficar agradável na tela, deve ser adequada ao tamanho dela. Sabemos que há elementos que não devem faltar na pintura, como luz, sombra e cor. Então, devemos escolher uma pequena parte da paisagem que seja iluminada e projete sombra, o que dá volume às formas. Numa paisagem marinha com várias embarcações, é prudente eliminar algumas delas e usar cores que harmonizem com a iluminação. Onde recebe sombra fria, por exemplo, é conveniente usar cor quente nos elementos representados. Os reflexos na água são muito agradáveis na pintura e devem receber atenção especial.

Como iniciar o trabalho?

O maior problema na pintura ao ar livre é que a luz e sombra se deslocam com o passar do tempo. Ao final de uma hora, a sombra já não estará no mesmo lugar, o que nos leva a pintar o que lembramos e não o que estamos vendo, como ocorre numa referência fotográfica.
Hangel Montero recomenda fazer um desenho rápido, com os elementos principais, e marcar a área de sombra com cor transparente, usando tinta diluída. Ele utiliza cor tendendo ao violeta, conseguida com a mistura seguinte: azul ultramar + carmim + amarelo – essa última, para “quebrar” a cor. Segundo ele, os passos seguintes podem ser feitos com mais calma.

O artista e autor João Barcelos, em seu livro “Pintura – Além do Pincel“, no capítulo 7, divide o processo da pintura em três etapas:

1) Desenho

Primeira noção do conjunto. Busca a harmonia das formas, deixando o aperfeiçoamento para as fases seguintes.

2) Marcação inicial

Procura introduzir harmonia entre luz e sombra. Nessa fase, usa tintas puras, dando preferência às de natureza transparente, com grande poder de tingimento. Acrescenta que essas cores não têm, necessariamente, correlação com as finais, mas servem para dar uma melhor noção do conjunto. Se algo tem que ser melhorado, deixa para a última etapa.

3) Colocação das cores definitivas

Nessa fase procura a harmonia das cores. Elas contém os pigmentos mencionados no item anterior e todos aqueles vistos no capítulo 2.

Após esta etapa, se notar que muita coisa não ficou como queria, faço o quadro novamente. Grandes correções podem tirar a espontaneidade do trabalho. – acrescenta João Barcelos.

Como captar o ambiente?

Quando estamos em ambiente aberto, nosso cérebro tem que processar uma enorme informação de cor, proveniente da grande quantidade de luz captada por nossos olhos, o que é tarefa de grande complexidade para a fisiologia humana. Quando estamos no estúdio, há menos dados para esse processamento, o que torna a tarefa mais fácil. Segundo Hangel Montero, o pintor que está acostumado a pintar ao ar live se atém ao conjunto de cores que utiliza habitualmente e que funciona para ele. Utiliza geralmente “gama harmônica simples”, como fizeram os impressionistas franceses. Eles definiam o que chamavam de “cor dominante” ou “cor ambiente” e montavam suas paletas de cores baseadas nela. Essa cor deve estar presente em toda mescla utilizada. Por exemplo, se estamos pintando um amanhecer ou um entardecer podemos eleger o “laranja” como nossa “cor dominante“, estando ela presente, em menor ou maior quantidade, nas mesclas que fizermos. Num pôr do sol a cor ambiente pode ser um “vermelho”. Se o dia está ensolarado e quente, podemos usar o “amarelo”; se está frio e nublado essa cor poderá ser o “azul”. O importante é que a cor escolhida esteja harmonizando com as demais, o que conseguiremos por meio das misturas. Ainda que haja uma parede branca na paisagem que estamos pintando, a “cor ambiente” deve estar presente nela, misturada ao branco. Desse modo, podemos começar uma pintura ao ar livre e terminá-la posteriormente no estúdio.
Não podemos esquecer a regra da “perspectiva aérea” , que estudamos em nosso artigo intitulado “Perspectiva atmosférica“.
Para aprofundar o estudo das cores, escrevemos dois artigos: “O mundo mágico das cores” e “Cores – como percebemos“.

Considerações finais

Procure utilizar pinceladas soltas, mais próximas do “impressionismo”. Simplifique os elementos da paisagem – isso abreviará muito o trabalho, sem prejudicar a beleza da obra.

Tenha muita atenção ao preparar o material para pintar ao ar livre. Elabore uma lista antecipadamente e verifique cada item antes de partir para o evento. É aconselhável levar:

  • Tela e tintas (tenha em mente que se for usar tinta a óleo, terá que utilizar a técnica “Alla prima“, ou seja, pintar toda a obra de uma só vez. Se utilizar acrílica, poderá usar camadas).
  • Solventes (água, se for tinta acrílica).
  • Cavalete de campo (veja nosso artigo “Cavaletes“)
  • Bastão de carvão vegetal para o esboço.
  • Água potável e para limpeza.
  • Lastro – para o cavalete não ser levado pelo vento (costumo utilizar galões de 5 litros, com água).
  • Vasilha para lavar os pincéis.
  • Trapos e/ou toalhas de papel para limpar os pincéis.
  • Paleta (costumo usar bandejas de isopor presas com elástico na paleta convencional).
  • Chapéu, filtro solar, avental e lanche.
  • Sacola para colocar o lixo.
  • Arame, alicate e fita adesiva (sempre é útil).
  • Mesinha para apoiar o material e banqueta para sentar.
  • Cartão de visita contendo seu telefone, e-mail e redes sociais (sempre terá alguém lhe solicitando esses dados. Se você parar a pintura para digitar no celular, é provável que não conclua sua obra).

Fique tranquilo. Sempre faltará alguma coisa, portanto, é bom manter bom relacionamento com a vizinhança.
Boa sorte!

Paulo Jorge pintando ao ar livre (Passagem, Cabo Frio – RJ em 09-10-2021)

Referências


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