
Nasci em 29 de outubro de 1957 numa localidade do interior de São Pedro da Aldeia, chamada “Pau Rachado” e lá vivi até os 16 anos. Quando criança, não havia transporte público na região, e para frequentar a escola era a famosa “viação canela” que funcionava. Como a professora local somente ensinava até a “terceira série primária”, hoje denominado “ensino fundamental”, logo tive que utilizar cavalo para seguir até a metade do caminho onde pegava ônibus para São Pedro — cidade mais próxima. Lá o ensino era de qualidade para os padrões regionais. Toda essa atividade começava as quatro horas da madrugada e somente terminava às dezessete horas, quando finalmente chegava em casa e ainda tinha que ir ao canavial cortar ração para o animal. Depois da tarefa, o dia seguinte me esperava com a mesma rotina.
Alguns professores me ajudaram muito! Viam minha dificuldade financeira para me instruir e enturmar com os filhos de famílias tradicionais da cidade. Não faltavam chacotas e apelidos que evidenciavam minha condição de roceiro. Hoje essa prática é conhecida como “bullying“.
Mais tarde, minhas irmãs e primas passaram a estudar na cidade e o cavalo foi substituído pela charrete — um luxo!
Meu encontro com a arte
A escassez de diversão foi providencial na minha infância. Digo diversão me referindo a rádios, televisores e brinquedos comerciais. Os meus se limitavam a um pneu velho, aposentado da charrete, e uma roda de ferro que fazia de volante imaginário quado ia buscar mandioca com meu avô no roçado. Logo o cantarolante carro de boi se transformava em automóvel na minha imaginação de criança.
A falta de brinquedos me levou ao desenho. Acho que ainda não sabia ler, e já desenhava razoavelmente para a pouca idade que tinha. Comecei copiando propagandas nos velhos almanaques “Seleções do Reader’s Digest” que minha avó paterna guardava como se fosse um tesouro muito valioso.
Um primo, meu vizinho, fazia a mesma coisa e entre nós criamos uma espécie de competição que evoluiu naturalmente para histórias em quadrinhos que elaborávamos desde o roteiro até a arte final. Os quadrinhos foram fontes principais de inspiração. Um tio quando nos visitava trazia várias revistas como presentes. Os técnicos da EMATER — órgão do governo que auxiliava os agricultores — nos presenteavam com material de desenho e literatura.
Experimentei várias técnicas, começando com o lápis, carvão, tira-linhas e bico de pena. Este último, de pena — literalmente — subtraída de rabo dos galos do terreiro. Com o auxílio duma faca afiada, logo nascia uma excelente caneta para tinta nanquim. Depois de algum tempo, os galos quando me viam partiam em retirada.
Já na escola, os professores notaram minha tendência para a arte e me auxiliaram doando material e literatura sobre o assunto. Um professor de artes da própria escola me ensinou, com bastante empenho, outras técnicas de pintura. Procurei aproveitar cada oportunidade. A arte era a única opção viável para me destacar e escapar do instinto predador dos colegas da classe.
Escrevia e fazia ilustrações para um jornal estudantil chamado “O Cientista“. Como os desenhos tinham que ser feitos com estilete, diretamente no estêncil usado como matriz do mimeógrafo elétrico, experimentei a técnica do pontilhismo e hachuras.
Um certo professor de História me chamou certa vez em particular e disse:
— “Pau Rachado” — apelido que perdurou por bastante tempo — vou passar um trabalho sobre “A Tomada de Constantinopla”. Pinte várias capas para esse trabalho e ofereça aos outros alunos. Eu vou dar nota na apresentação.
Assim fiz. Vendi todas. A partir daí, outros professores passaram a me avisar sobre os trabalhos que dariam e passei a pintar temas relacionados com os assuntos. Tudo ia muito bem, até que pintores da região descobriram esse filão e estragaram meu negócio.
Já no ensino médio, mudei para Cabo Frio, cidade vizinha. Deixei o velho apelido, mas não abandonei minha paixão pela pintura. A nova escola passou a me requisitar para outras atividades artísticas: pintei murais, cenários para peças de teatro, personagens de festas típicas e muito mais. Como a diretora era tarefeira da igreja católica local, era de minha responsabilidade uma quadra do famoso “Tapete de Sal” da procissão de “Corpus Christi“.
Nessa época participava como redator e repórter de campo no programa “Educação sem Limites” na “Radio Cabo Frio“. O foco era cultura regional, e assim tive contato com vários pintores que visitavam a cidade para pintar e com artistas locais como José de Dome, Torres do Cabo e outros. Todos me influenciaram de alguma maneira.
A vida profissional
A vida profissional me afastou da pintura quando tive que mudar para o Rio de Janeiro em 1979. O objetivo era me preparar para o vestibular da faculdade de medicina, uma vez que eu já exercia a profissão de “Técnico em Radiologia Médica” desde 1976.
Em plena ditadura militar, sozinho numa cidade grande, enfrentei muitos obstáculos e não consegui ser aprovado para uma universidade pública. Na impossibilidade de custear faculdade particular, fiz diversos cursos técnicos para aumentar meus rendimentos, me manter e auxiliar minha família.
Já funcionário público federal e somente depois de casado cursei faculdade, incentivado por minha esposa. Ela era funcionária pública concursada com nível superior, enquanto eu, com nível técnico. Já envolvido com tecnologia, ingressei numa faculdade de Informática, mas não me adaptei ao curso. Prestei novo vestibular passei para uma universidade pública, no curso de Biologia. O objetivo era fazer ascensão funcional para nível superior no serviço público. Pouco antes da formatura, o governo federal proibiu os concursos internos. Mais uma frustração.
Prestei vestibular novamente para faculdade de Informática, cursei e me especializei em Análise de Sistemas. Ainda atuo nessa área.
A pintura mesmo foi colocada de lado, contudo, o que aprendi sobre cores e composição para interfaces gráficas em computação, muito me auxilia nas artes plásticas.
Meu reencontro com a arte

Ao retornar para Cabo Frio em 1999 alguns amigos e parentes me perguntavam pelos meus quadros, elogiavam e me pediam um — velho hábito de pedir de graça a única coisa que o artista tem para vender. E nesse caso eu nem tinha — nada guardei daquela época. Minha esposa sabia que eu desenhava, mas nuca falei sobre os quadros que pintei, até porque essa atividade eu nunca imaginei que fosse retomar. Depois disso, até ela me pedia para pintar uma tela para nossa casa. Eu sempre protelava com uma desculpa qualquer. As vezes brincava:
— Minha veia artística está cheia de varizes.
Ao aposentar, um dos objetivos dela era estudar pintura, e como a mulher é sempre mais obstinada que o homem, assim fez. Primeiramente com um professor de São Pedro da Aldeia, o artista Humberto Leite. Ele vinha até nossa casa uma vez por semana para ensinar pintura a óleo para ela e uma amiga. Ao experimentar o cheiro da tinta e dos solventes, senti uma coceira nos dedos e uma vontade louca de pegar nos pincéis. Resisti bravamente.
Mais tarde, passou a estudar com um professor de Barra de São João, o Roger Vianna, muito premiado em concursos. Grande mestre impressionista, ministra cursos de pintura acrílica e aquarela, presenciais e via Internet.
Um belo dia uma amiga não pode lhe servir de companhia e lá fui eu, de motorista, numa folga improvisada que consegui no trabalho. Durante a aula, com vários alunos no atelier, me bateu aquela vontade de experimentar umas pinceladas. Ingressei no curso para aprender algumas técnicas impressionistas com tinta acrílica. Minha experiência com essa técnica no passado não foi muito animadora. Minha predileção sempre foi tinta a óleo. Roger Vianna me convenceu. Aprendi muito com meu amigo!
Moral da história: voltei a pintar depois de 40 anos de inatividade, mas o primeiro quadro da minha casa foi pintado por minha esposa. Eu protelei, ela fez!
A capacidade de aprender do ser humano é infinita e as técnicas se renovam o tempo todo — não há quem saiba tudo. Por isso continuo estudando diariamente. Tenho uma meta estabelecida — aprender algo novo a cada dia. Ingressei em cursos à distância com mestres como Jaime Trindade e Amaury Jr. Hoje, com a facilidade que a Internet nos proporciona, só não estuda quem não quer.
A ALeART
Ingressamos na ALeART — Academia de Letras e Artes da Região dos Lagos — em novembro de 2019. Minha esposa foi indicada e teve como madrinha a acadêmica Lourdes Ishizu. Eu fui indicado pelo acadêmico Roger Vianna e tive como padrinho o acadêmico João Mattos.
Participamos de reuniões e gincanas promovidas pela instituição, convivemos e trocamos experiência com artistas de excelência. A ALeART é presidida pelo acadêmico e grande artista Carlos Alberto Fouraux.
A ALSPA
Minha diplomação como acadêmico da ALSPA – Academia de Letras de São Pedro da Aldeia ocorreu em 21 de maio de 2022, juntamente com a comemoração do aniversário da academia, no salão nobre do restaurante Sunset Lagoon, no centro de São Pedro da Aldeia.
O futuro
Durante a minha vida muita gente me estendeu a mão, apontando um horizonte quando minha visão esteve embaçada, evitando que a desesperança tomasse conta de mim. Isso me possibilitou superar desafios e transformar sonhos em realidade.
Profissional de formação na área das ciências exatas, de tempos em tempos, me surpreendo questionando o porquê dessa vocação para a pintura.
Hoje tenho a percepção de que a minha arte, além de servir para dar vasão a minha criatividade, encerra também o propósito de, através das minhas telas, transmitir prazer e alegria a outras pessoas, e isso me deixa feliz.
Hoje, já aposentado no serviço público, a pintura ocupou relevante papel na minha vida. É uma das minhas mais importantes formas de ocupação prazerosa e complementação de renda.
Além de pintar e escrever, ministro cursos, realizo oficinas de pintura e palestras. Compartilhar um pouco do que recebi com você que está lendo esse meu relato, será motivo de grande alegria para mim! Talvez possamos trocar conhecimento no futuro.
Minha infância














