
Ao ouvir de um amigo que ele não conseguia dar profundidade aos seus desenhos e pinturas, fui convencido a escrever esta série de três artigos sobre PROFUNDIDADE NA PINTURA. Os anteriores foram “Perspectiva linear – sensação 3D” e “Perspectiva atmosférica“, publicados no meu portal www.paulojorge.art.br e na coluna “PINTANDO O SETE” da revista Aldeia Magazine. Restava falar sobre outro recurso muito utilizado pelos fotógrafos – fundo desfocado.
Fundo desfocado na fotografia

Hoje, com o avanço da tecnologia, ficou mais fácil conseguir o efeito de fundo desfocado na fotografia. As câmeras profissionais modernas já são preparadas para isso, mas precisam contar com a habilidade do fotógrafo, como Renato Fulgoni, na foto acima. Notemos que não há nenhum objeto conhecido que nos sirva de comparação para determinar o tamanho da gaivota em relação ao fundo, e portanto não temos como utilizar as regras de perspectiva estudadas anteriormente. Resta o recurso do fundo desfocado no segundo e terceiro plano – quanto mais longe, mais desfocado. Assim, nosso cérebro registra a informação de que a ave está afastada das pedras ao fundo. Para complicar, as cores dessas pedras são de tonalidades próximas. Não fosse o desfoque, veríamos como uma parede rochosa, sem noção da distância.
As câmeras dos celulares modernos já funcionam de modo automático. Ao clicar, duas lentes são acionadas – a lente mais potente fotografa o objeto principal e outra, menos potente, registra o fundo dando a noção de profundidade.
Antigamente esse recurso era obtido na revelação manual. Após ampliar o negativo, o fotógrafo manuseava diretamente o papel fotográfico imerso no revelador e posteriormente no fixador. Com isso, seus dedos ficavam amarelados, o que demonstrava sua atividade profissional. Já tive os dedos com essa coloração – fotografia foi uma das minhas paixões amadoras.
Fundo desfocado no desenho

No desenho iniciamos pelo primeiro plano e posteriormente desenhamos os elementos mais distantes. Esse processo é inverso ao da pintura em camadas, onde começamos pelo fundo – objetos mais distantes – para depois pintarmos o primeiro plano. Isso causa confusão nos pintores iniciantes quando recém-egressos dos cursos de desenho.
Alguns desenhistas dão acabamento aos elementos logo após desenhá-los. Eu prefiro refinar a obra posteriormente. Primeiro faço um esboço em blocos com traços bem leves, respeitando as regras de composição que estudaremos noutro artigo. No segundo momento, desenho os elementos de primeiro plano com traços mais fortes, usando lápis 2B. Faço as sombras hachurando com lápis 6B ou carvão vegetal. Para harmonizá-las, podemos esfumar, friccionando com um guardanapo de papel ou borracha bem macia, na falta de um esfuminho. Para “iluminar” os pontos que recebem luz, retiramos parte do pigmento com o auxílio do esfuminho ou borracha macia. O fundo é desenhado por último, com traços leves e imprecisos, apenas sugerindo os elementos. A suavidade e desfoque são imprescindíveis para que não haja competição com o primeiro plano.
Desenhos realizados com essa técnica devem ser envernizados logo após a conclusão, com verniz fixador em aerossol.
Fundo desfocado na pintura de telas

O fundo desfocado está presente na maioria das pinturas de paisagens, quase sempre combinado com a perspectiva linear e atmosférica. Na minha obra intitulada BONDINHO DE SANTA TERESA, podemos notar o efeito de desfoque na vegetação atrás do veículo. Na mesma região, o desfoque está presente no muro, trilhos e poste de iluminação. Parte da árvore do primeiro plano, no canto superior direito, também está desfocada com o objetivo de chamar a atenção para a parte central do quadro, onde se encontra o bondinho.
A perspectiva linear é evidente nos trilhos e muros. Embora mantenham as mesmas dimensões, parecem menores quanto mais distantes estão. A luz azulada no fundo do quadro dá um ar frio ao cenário, exemplificando a perspectiva atmosférica.
Dedo, o canivete suiço
Posso usar o dedo para conseguir o efeito de desfoque na pintura? Se perguntar isso para um artista que acabou de sair da academia, provavelmente receberá um sonoro não como resposta. Mas como eu comecei na arte exercitando o empirismo, como toda criança que ensaia seus desenhos, o dedo era ferramenta principal. Até hoje utilizo bastante, inclusive para o efeito de desfoque, o que me leva a assegurar que é mais eficiente do que alguns pincéis para essa finalidade.
Certa vez fiz essa pergunta a um professor. Ele me respondeu, com ênfase:
– Não use o dedo! Use o pincel que está na sua mão.
Um dia cheguei ao atelier mais cedo e o professor estava pintando uma de suas obras. Observei que levava o dedo à tela com muita frequência, ora para limpar algo, ora para esfumar. Lembrei ao mestre a resposta que me dera tempos atrás. Rapidamente, retrucou:
– Meu rapaz, você não sabe o que é capaz de fazer um dedo bem treinado…
Eu sabia e me calei.
Referências
Montero, Hangel – La Obtencion del Color: Un secreto al descubierto
http://www.cozinhadapintura.com/2011/05/tecnicas-de-pintura-em-camadas-parte.html
https://portalartes.com.br/historia/glossario-da-arte/
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