Desde os primórdios da pintura, o branco tem sido um elemento fundamental na paleta dos artistas. Seja como base para outras cores, como símbolo de pureza ou como representação da luz, essa tonalidade atemporal desempenha um papel crucial na criação de obras de arte.
A luz e as sombras do branco: um estudo da cor na arte
A luz, presente em todas as manifestações artísticas, encontra no branco seu mais fiel aliado. Essa cor, capaz de refletir todas as outras, simboliza a iluminação, a pureza e a esperança. Ao longo dos séculos, os artistas têm utilizado o branco para representar a luz divina, a natureza e a alma humana. No entanto, a associação do branco à pureza é uma interpretação cultural que varia ao longo do tempo e entre diferentes sociedades. Em algumas culturas, o branco pode representar a morte, o luto ou o vazio. Na arte, essa cor também foi utilizada para expressar sentimentos de solidão, alienação e angústia. Os quadros de Kazimir Malevich, por exemplo, com suas vastas áreas de branco, transmitem uma sensação de infinito e abstração que vai além da mera representação da luz.
A versatilidade do branco é justamente o que o torna tão fascinante para os artistas. Ele pode ser a tela em branco, o ponto de partida para a criação, ou a cor que define todas as outras. Mas será que a importância do branco na arte é tão grande quanto parece? Ao longo deste artigo, veremos alguns detalhes sobre essa cor.
Branco: o pigmento e sua história
Há vários tipos de branco. A evolução desse pigmento ocorreu pela busca de substâncias que fossem mais baratas e menos tóxicas. Como os demais pigmentos, o avanço da química orgânica, ocorrido no século XX, contribuiu para novas descobertas, mais viáveis e melhores para o uso na fabricação de tintas. Veremos abaixo, algumas opções.
Branco de Prata (PW1)
O “Branco de Prata”, também conhecido como PW1, é um pigmento que tem sido usado desde a antiguidade, notável por suas características únicas e história rica na arte. Na realidade, não continha prata na sua composição, mas sim carbonato de chumbo — altamente nocivo ao ser humano. É um dos pigmentos mais antigos conhecidos, com uso rastreado desde o Império Romano. Sua utilização diminuiu no início do século XX, devido à sua toxidade, sendo substituído por alternativas mais seguras, como o Branco de Zinco (PW4). Atualmente, não é mais produzido comercialmente, contudo, é importante estar atento, pois algumas tintas ainda são vendidas com o nome de “Branco de Prata”, mas geralmente são misturas de Titânio e Zinco.
Branco de Zinco (PW4)
O “Branco de Zinco”, identificado como PW4, é um pigmento branco importante, prestigiado por sua transparência e uso em conjunto com outros brancos. O zinco é um mineral conhecido há muitos anos, desde que o homem começou a produzir o latão (liga de zinco e cobre). O Branco de Zinco (óxido de zinco) começou a ser utilizado como substituto para o tóxico Branco de Chumbo no final do século XVIII, por volta de 1782. Apesar de ser uma alternativa mais segura, era inicialmente mais caro que o Branco de Chumbo, o que dificultou sua popularização. Com o aperfeiçoamento de sua fabricação, seu preço diminuiu, tornando-se comparável ao Branco de Chumbo em meados do século XIX, o que levou ao aumento em seu uso.
É o pigmento branco mais transparente, possui baixo poder de cobertura, sendo ideal para usar em “Velaturas” (Veja artigo anterior intitulado “Veladuras” em https://www.paulojorge.art.br/veladuras/).
Branco de Titânio (PW6)
O “Branco de Titânio” (PW6) é um pigmento branco amplamente utilizado, considerado superior ao “Branco de Prata” (PW1) em diversos aspectos. Ele reflete 97% da luz incidente, possui o dobro do poder de cobertura do Branco de Prata e é atóxico, características que o tornam ideal para uso na pintura.
A brancura intensa do “Branco de Titânio” atraiu pintores modernistas, como Kazimir Malevich, que o utilizou em sua pintura “O Quadrado Branco”.
A história dos brancos na pintura ilustra a evolução dos materiais artísticos e a busca por pigmentos que atendam às necessidades dos artistas. O Branco de Titânio, com suas características superiores e segurança, tornou-se o padrão atual, enquanto os brancos históricos, como o de Chumbo, permanecem como testemunho do passado e como referência para a compreensão da pintura tradicional.
Uso do Branco na pintura
Conforme vimos nos tópicos anteriores, o “Branco de Zinco” (PW4) é ideal para Velaturas, onde a transparência é desejada. Já o “Branco de Zinco” (PW6) é ideal onde desejamos boa cobertura, pois ele é mais opaco do que o primeiro. Presença marcante nas paletas dos pintores, o branco é a cor mais utilizada pela maioria dos artistas.
1) Aclarar outras cores
A tendência do pintor iniciante é utilizar o Branco para aclarar todas as cores, mas isso não funciona de modo geral. Algumas cores, como os azuis, podem ser clareadas com o Branco, enquanto outras, como os verdes e vermelhos, por exemplo, devem utilizar amarelos para tornarem-se mais claras. Nesse caso, se for utilizado o Branco em vez do amarelo, as misturas perdem a vivacidade, formando tons “pastéis” (mais suaves).
Na ilustração desse tópico, vemos uma tela capturada do aplicativo “Real Color Mixer” (Android), mostrando o Azul clareado com o Branco. Na parte de baixo, estão os resultados, mostrando que o Magenta (da família dos vermelhos) torna-se “rosado” quando misturado ao branco.
2) Produção de tons “pastéis”
Os tons “pastéis” são cores mais suavizadas produzidas pela mistura com o branco. São muito utilizados em alguns estilos de pintura, como nas aquarelas, por exemplo, especialmente quando os artistas empregam tons suaves e pálidos para criar obras delicadas e sonhadoras. Os aquarelistas, em sua maioria, não utilizam pigmentos brancos, sendo o efeito da mistura obtido pela transparência das demais cores, que conforme a diluição, deixam à mostra o fundo branco dos papéis utilizados como suporte.
Com tintas a óleo ou acrílica, os tons “pastéis” também são utilizados, especialmente na pintura de paisagens, para suavizar o terceiro plano.
3) Aumentar a opacidade de cores transparentes
Quem observa o resultado de uma pintura, sequer imagina a quantidade de correções necessárias para a produção da obra, sejam elas por erros propriamente ditos, ou pela mudança de objetivo do artista.
É impossível apagar um elemento pintado erradamente sobrepondo cor com transparência elevada, como o “Verde Esmeralda”, por exemplo. Nesse caso, misturar uma pequena porção de “Branco de Titânio” (PW1) pode ser uma boa solução. Isso feito com muito cuidado, pois como mostramos anteriormente, os verdes são clareados com Amarelo e não com o Branco, sob pena de produzirmos um tom “pastel”. Mas na realidade, algumas tonalidades de amarelo já contém branco em sua composição (observe a formulação).
Na impossibilidade de “apagar” o erro com a técnica acima, basta pintar com Branco, esperar a secagem, e repintar com a cor desejada.
4) Iluminação de elementos
O Branco puro deve ser utilizado para iluminar pequenas partes de alguns elementos que queremos destacar, como vimos no artigo “Gotas – como desenhar e pintar” (https://www.paulojorge.art.br/gotas-como-desenhar-e-pintar/). Normalmente, para produzir o efeito de luz, ele é misturado com outras cores que compõem o cenário (luz refletida pelos objetos) e pela cor do próprio objeto. Estudamos esse tema no artigo “Luz e sombra” (https://www.paulojorge.art.br/luz-e-sombra/).
Sombra projetada sobre fundos brancos
Ao representar a sombra sobre fundos brancos, devemos observar alguns detalhes, como a luz predominante no ambiente. A cor de fundo predominará, mas será escurecida pela sombra. Uma regra da pintura nos diz que luzes quentes produzem sombras frias, enquanto luzes frias geram sombras quentes, assunto já abordado em nosso artigo intitulado “Ampliação com grade 2” (https://www.paulojorge.art.br/ampliacao-com-grade-2/), mas adiantamos que não há consenso sobre sua utilização – Aliás, em pintura não existem regras que não possam ser quebradas eventualmente, com moderação, dependendo do estilo da obra.
Na obra “CASA DA FLOR“, (https://www.paulojorge.art.br/project/casa-da-flor/), de minha autoria, as sombras estão projetadas sobre a parede branca, mas sua tonalidade varia ao longo da parede. A luz solar direta incide sobre o canto superior direito e parte do telhado, mudando sua coloração.
CASA DA FLOR – Acrílica sobre Tela – 50×70 (Paulo Jorge)
Referências
- Suprematism, Part I: Kazimir Malevich, Charles Cramer e Kim Grant (https://smarthistory.org/suprematism-part-i-kasimir-malevich/)
- Cozinha da Pintura – Brancos (https://cozinhadapintura.com.br/2011/06/01/pigmentos-tinta-branco-pintura/)
- Barcelos, João – Pintura – Além do pincel (Capítulo 2 – Cores e pigmentos) http://www.joaobarcelos.art.br/livro01_cap2.pdf
- Montero, Hangel – La Obtencion del Color: Un secreto al descubierto
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