Devo ou não devo usar os recursos que a tecnologia me proporciona para melhorar a composição nas minhas pinturas? Eis um dilema polêmico. Há artistas defendem seu uso e outros que são críticos severos, sob o argumento de que a tecnologia inibe o potencial criativo. Mas a tecnologia evolui a cada dia criando e aprimorando ferramentas que facilitam o trabalho em diversas atividades, inclusive na arte.
Conservadorismo ou teimosia?
Contam que certa vez uma senhora foi visitar sua filha que casou e foi morar bem longe. Ela, que sempre cozinhou para toda a família, na condição de visitante achou por bem não interferir na culinária da casa, limitando-se a sentar na cozinha e fazer companhia para a filha, que estava a preparar carne assada. Vendo-a cortar uma peça de carne em partes menores, perguntou:
– Minha filha, porque você está cortando esse belo pedaço de carne?
– Ora, mamãe! Aprendi com a senhora que sempre cortou a carne antes de colocar na panela para assar – respondeu, intrigada com a pergunta.
– Minha filha, eu fazia isso porque a panela era pequena, mas como a sua é grande, a carne ficará mais bonita com a porção inteira – aconselhou a matriarca.
Mais uma vez a jovem resolveu seguir o conselho da mãe.
Deve ser essa uma história antiga, porque os jovens de hoje…
Copiar comportamento é uma bela atitude, se a referência for boa, naturalmente. Assim acontece na pintura, onde o artista guarda características do mestre com quem aprendeu. Mas herdar certas técnicas do instrutor não significa copiar integralmente o que ele faz. Os próprios materiais vão mudando ao longo dos anos, como por exemplo, os pigmentos que avançaram bastante após descobertas no campo da química (estudamos isso no artigo “Cores – como percebemos“).
A tinta acrílica é outro avanço nessa área. Passou a ser usada no meio artístico por volta da primeira metade do século XX, por muralistas mexicanos. Mas sua produção industrial se popularizou somente na segunda metade do mesmo século. Sendo uma tecnologia nova, se comparada com a tinta a óleo, muitos artistas ainda torcem o nariz para essa nova forma de pintar, ignorando as muitas qualidades dessa tinta, como a secagem mais rápida, solubilidade em água, menor toxidade, maior resistência em locais iluminados, e outros. Eu mesmo, que aprendi a pintar com tinta a óleo, demorei muito para vencer a resistência que tinha quanto ao uso dessa tecnologia, como contei no artigo “Pintura acrílica – o começo“.
Não faz muito tempo, recebi críticas negativas de colegas avessos ao uso do projetor para desenhar sobre a tela, o que alguns chamam de “risco” (ver artigo “Ampliação com projetor“), ignorando que o grande pintor holandês Johannes Vermeer já utilizava essa técnica no século XVII. Deixei claro na matéria que usei o projetor de forma didática e que esse recurso em nada impacta na capacidade de criar a obra. Estudos realizados por especialistas em várias pinturas clássicas mostraram vestígios de quadriculados sob as camadas de tinta, técnica até hoje utilizada para ampliação de imagens, sem que isso em nada diminua o valor da obra.
A eletrônica evolui diariamente, o que possibilita o surgimento de aparelhos celulares cada vez mais avançados. Sua utilidade é inquestionável nos dias atuais, pois um usuário comum pode realizar trabalhos que antes envolviam recursos de muitos e demandava mais tempo. Um adolescente de hoje dificilmente conseguiria imaginar o trabalho que dava para um cidadão comum fotografar na década de 80. Tinha que adquirir uma máquina cara, comprar filme, esperar as condições de iluminação ideais, fotografar, mandar revelar e rezar para que a foto ficasse boa quando chegasse às suas mãos, muito tempo depois – um verdadeiro inferno!
Com os aparelhos celulares surgiram aplicativos que podem nos ajudar. Citaremos alguns disponíveis na loja de aplicativos para Android, a Google Play (https://play.google.com/). Certamente há aplicativos similares para o iPhone.
Golden Ratio Calculator
Desenvolvedor: RedDroid
É uma calculadora de proporção áurea. No artigo “COMPOSIÇÃO: PROPORÇÃO ÁUREA” tratamos desse assunto e ensinamos como traçar a GRADE PHI numa tela, para posicionar os destaques sobre os “pontos de ouro“. Deixamos a fórmula para calcular esses pontos e desenhar a “grade Phi“, onde bastava pegar a medida de cada lado, dividir pela constante Phi (1,618), riscar a linha e espelhar no outro lado. Simples, mas para quem não quer perder tempo com contas, pode usar essa calculadora que recebe medida de um segmento de reta e fornece duas medidas com a proporção áurea correta. Existem outros aplicativos com a mesma finalidade, mas optei por esse que não possui propagandas.
PhiShot
Desenvolvedor: UNISOLUTIONS
Quando estudamos proporção áurea, vimos que a chamada espiral de Fibonacci está presente em muitos elementos da natureza, como caracóis, a forma da Via Láctea, formato de algumas flores, e noutros fenômenos naturais. Também a encontramos na arte de Leonardo da Vinci, Botticelli, Salvador Dalí e tantos outros artistas consagrados.
Encontrei esse aplicativo onde podemos fotografar ou escolher uma imagem da galeria, posicionar a espiral de Fibonacci sobre qualquer ponto, ampliar e rotacionar com o auxílio de dois dedos em pinça. Depois é só salvar ou compartilhar. A segunda parte da brincadeira, é por sua conta. Mãos à obra!
Compositica
Desenvolvedor: Soniksky
E se você pudesse fotografar utilizando a “espiral de Fibonacci“, a “grade Phi“, ou a “grade dos terços” como linhas guia para enquadrar melhor suas fotos? Assim, bastaria ampliar sobre a tela e os elementos já estariam posicionados corretamente, de acordo com a regra escolhida. Pois é isso: você pode! O aplicativo “Compositica” usa a câmera do seu aparelho e sobrepõe a grade que você desejar como guia. Além das opções citadas, disponibiliza grade Phi secundária, grade diagonal e botão para rotacionar. Selecione a opção clicando no ícone em formato de engrenagem. A foto será armazenada na galeria, exatamente como se estivesse usando o aplicativo de câmera original. Para acessá-la, clique no ícone com as montanhas.
Artist’s Eye
Desenvolvedor: Karhulabs
Como o próprio nome diz, “olho do artista” define esse aplicativo. Ele simula a projeção de imagem sobre uma superfície, que pode ser folha de papel ou tela. Basta abrir a imagem com o desenho, fixar o celular em suporte bem firme, posicionar e enquadrar a câmera do aparelho sobre a superfície onde quer desenhar. A imagem capturada pela câmera será mesclada com a imagem do desenho, cuja transparência pode ser ajustada. Depois é só desenhar olhando a tela do aparelho.
Existem ferramentas para ampliar, posicionar, corrigir distorções e aplicar filtros.
Há outros aplicativos semelhantes na loja, mas testei somente esse. Ao pintar a obra “RIO VERMELHO” apaguei o desenho do cavalo e não consegui recuperar a marcação original de jeito nenhum, mesmo usando truques que já ensinei noutro artigo, como colocar uma lâmpada no verso da tela. Já estava querendo testar o Artist’s Eye e usei essa oportunidade para isso. Adianto que não foi tarefa fácil – somente consegui fazer as marcações básicas. A conclusão foi à mão livre mesmo.
Pintura utilizada
Referências
- Proporção áurea – Wikipedia
- Google Play (https://play.google.com/)
- https://play.google.com/store/apps/details?id=ru.reddroid.golden_ratio_calculator
- https://play.google.com/store/apps/details?id=eu.unisolutions.phishot
- https://play.google.com/store/apps/details?id=com.soniksky.compositica
- https://play.google.com/store/apps/details?id=karhulabs.daid
- Revista Aldeia Magazine (Coluna “Pintando o Sete”)
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